sexta-feira, 6 de abril de 2012

Do Sublime

Rogier Van der Weyden, Descida da Cruz (c, 1435, Museu do Prado, Madrid).
---
Esta é, para mim uma das mais belas obras de arte de todos os tempos e é simultaneamente, devido ao tema que aborda, uma das mais dolorosas de assistir. Daí que se enquadre na categoria estética do sublime, pois já não estamos perante uma beleza ideal clássica, que pressupõe um equilíbrio entre a imaginação e o entendimento, traz calma e serenidade, mas sim perante um outro tipo de beleza mais surpreendente, que desperta sentimentos intensos, colocando em jogo a ideia de transcendência e de infinito.
A noção de sublime vem da Antiguidade. Segundo o Pseudo-Longinus, no tratado do Sublime (no século I), o «verdadeiro e grande sublime é aquele cuja admiração nos tem por muito tempo suspenso o ânimo. Sendo difícil, ou para melhor dizer, impossível o resistir-lhe, por se conservar firne e indelével na nossa memória». No século XVII, com Pascal, o sublime adquire uma dimensão metafísica: «O homem excede infinitamente o homem». O sublime permite atingir dimensões morais, metafísicas e religiosas.
Em 1757, Burke publica a Pesquisa filosófica sobre a origem das nossas ideias de sublime e de belo, onde refere que o sublime se distingue do belo porque provoca uma perturbação psicológica ligada a uma mistura de dor e prazer. Em 1764, Kant publicou as Observações sobre o belo e o Sublime e, em 1790, volta a falar do sublime na Crítica da Faculdade de Julgar. Para ele, o sublime impõe o respeito e a gravidade: é um prazer negativo de carácter subjectivo. Kant distingue o sublime matemático que é o absolutamente grande e o sublime dinâmico, que se manifesta quando nos encontramos diante de certas forças que excedem infinitamente as nossas forças, levando a um esforço de coragem, de superação. Deste modo, o sublime procura abarcar o inabarcável: «É sublime aquilo que, pelo próprio facto de o concebermos, é índice de uma faculdade da alma que supera qualquer medida dos sentidos». 
Kant ligava a noção de sublime sobretudo aos fenómenos da natureza - uma montanha pode ser sublime pelo seu tamanho, uma tempestade pode ser sublime pela sua dinâmica - contanto que quem as observa consiga ultrapassar o sentimento de impotência e de medo perante esses obstáculos naturais.
Mas a arte também pode exprimir o sentimento de sublime, o que, no limite, se liga à ideia de sublimação expressa por Freud, já no século XIX. Através de uma linguagem formal e simbólica, o artista pode sublimar um tema doloroso. Neste caso, Van der Weyden, através da beleza da composição, das figuras, dos gestos, das formas, sublimou o tema da morte, criando uma obra de arte.
---
Bibl.: Elisabeth Clément, Chantal Demonque, Laurence Hansen-Love, Pierre Kahn, Dicionário Prático de Filosofia (1997); Luc Ferry, Homo Aestheticus (1990); Marc Jimenez, Qu'est-ce que l'esthétique (1997); Manuel Justino P. Maciel, Arte Romana Tardia e Paleocristã em Portugal (1993); Raymon Bayer, História da Estética (1979).

8 comentários:

ana disse...

Sublime, sublime, sublime. Adoro esta deposição, é linda, linda!
Adorei o texto, belo, belíssimo.
Obrigada por este "sublime". Gostei de ler Peter Burke mas vou ter que procurar este livro que não li.
Graças e Feliz Páscoa!
Beijinhos. :))

Margarida Elias disse...

Também não li e gostava de aprofundar o tema... Bjs e Boa Páscoa!

www.amsk.org.br disse...

Feliz Páscoa Margarina, para vce toda a sua família. A pintura é maravilhosa. Acho que a Catarina devia vir aqui, a explicação e o texto são de muito bom gosto.

bjs nossos

Margarida Elias disse...

Cpzinha dos Vurdóns: Obrigada e Boa Páscoa!

Sara disse...

A tela é realmente magnífica e o texto é muito esclarecedor. Obrigada por ambos.
Um beijinho e uma feliz Páscoa, Margarida!

Margarida Elias disse...

Sara: Obrigada e uma Páscoa muito feliz! Bjs!

Imaginário disse...

Não vou me lembrar o texto dos Irmãos Karamazov agora, tanto tempo faz que o li, mas o post me trouxe à memória Ivan e o jovem Aliocha, diante de uma tela assim, de Cristo descido da cruz. Morto, depois de ter se recusado a descer dela com vida, pelos poderes que tinha. Na minha memória de jovem leitor, que nunca mais voltou ao texto, ficou a imagem do homem morto. E da perplexidade de Aliocha. Voltarei lá.
Abraço.
Boa semana.
Gilson.

Margarida Elias disse...

Não conheço a obra, mas fiquei com curiosidade. Obrigada!