quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Almada e Klee

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Almada Negreiros, Começar (1968-1969, Sede da Fundação Calouste Gulbenkian).
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Luís Reis num artigo sobre o painel Começar (Link)*, afirma que esta é «a derradeira grande obra de Almada Negreiros», «uma obra extensa, gravada em calcário polido», «o seu legado espiritual às gerações vindouras». De facto, o próprio artista terá dito, em 1969, que esta era «uma obra síntese» de tudo o que ele fizera na vida. Ainda segundo Luís Reis, o painel «aperfeiçoa e aprofunda a mensagem já transmitida na tapeçaria O Número, executada para o Tribunal de Contas de Lisboa (1958)». 

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A propósito da geometria e do seu valor simbólico, vem a questão do "Ponto de Bahütte", tema que interessava a Almada Negreiros. A origem deste "Ponto" está aparentemente relacionada com os construtores das catedrais medievais, sendo abordada numa quadra, que diz: 

Um ponto que está no círculo 
E que se põe no quadrado e no triângulo. 
Conheces o ponto? Tudo vai bem. 
Não conheces? Tudo está perdido. 

Já em 1957, o Ponto de Bauhütte tinha sido tratado por Almada numa composição a preto e branco (Centro de Arte Moderna - Fundação Calouste Gulbenkian).


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A busca de um ponto simbólico fez-me lembrar Paul Klee e as suas pesquisas sobre a origem da criação. Contudo, diferentemente de Almada, a abordagem de Klee foi mais sensível e espiritual, associando a noção de criação à de fecundidade. Enquanto Almada, procurou um ponto geométrico, Klee procurou um ponto cinzento.

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Na obra Ab Ovo (1917), Klee aborda a questão da origem da criação, o que se pode relacionar com um um sonho relatado no seu diário, ainda em 1906, que termina com o trecho: «Eu estava lá onde é o Começo: em casa da minha adorada Senhora Célula original, promessa de fecundidade». Ao longo da sua vida, Klee continuou a busca de «um ponto recuado, original da criação».

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No trabalho Outrora surgindo do cinzento da noite... (1918) a tira de papel de prata, ao centro, tem o valor de um ponto médio, porque o cinzento é resultante da mistura das cores complementares e, nesse sentido, símbolo do absoluto. A tradução do poema inscrito na pintura poderá ser a seguinte: «Outrora surgindo do cinzento da noite / tornado depois pesado e caro / com a força do fogo, / cheio de deus e vencido da noite. / Então, cercado de pavor, no azul do éter, escapa-se por cima das neves geladas / ao encontro dos sábios astros» (tradução de Susanna Partsch**). 
Noëmi Blumenkranz, no artigo sobre Klee do Dictionnaire Géneral du Surréalisme et de ses environs***, notou que o ponto cinzento de Paul Klee era o primeiro ponto da criação: «Estabelecer um ponto no caos é reconhecê-lo necessariamente cinzento devido à sua concentração principal e lhe conferir o carácter de um centro original onde a ordem do universo vai romper e irradiar em todas as dimensões. Afectar um ponto de uma virtude central, é originar a cosmogénese. A este acontecimento corresponde a ideia do todo. Começo (...) ou, melhor: o conceito de ovo».
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Almada Negreiros (Link).
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* Luís Reis, «Começar por Almada Negreiros ou Ode à Geometria», in Educação e Matemática, n.º 92, Março-Abril, 2007 (Link).
** Susanna Partsch, Paul Klee, 1879-1940, Taschen, 1993.
*** Adam Biro, René Passeron (dir.), Dictionnaire Genéral du Surréalisme et de ses Environs, Frisbourg, Office du Livre, 1982.
Cf. Margarida Elias, Paul Klee e o Surrealismo, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 1998 (Trabalho de Mestrado) (Link).

3 comentários:

ana disse...

Gostei muito Margarida quer do texto quer da arte.
Beijinho. :)

Presépio no Canal disse...

Belíssimo post, Margarida! Ainda tenho de cá voltar para apreciá-lo como merece.
Beijinho grande! :-)

Margarida Elias disse...

Obrigada às duas! Bjs! :))