domingo, 2 de dezembro de 2012

Rodopio

Gustave Doré, Rosa Celeste (in Dante, A Divina Comédia, 1892, Link)
---
Rodopio 

Volteiam dentro de mim, 
Em rodopio, em novelos, 
Milagres, uivos, castelos, 
Forcas de luz, pesadelos, 
Altas tôrres de marfim. 

Ascendem hélices, rastros... 
Mais longe coam-me sois; 
Há promontórios, farois, 
Upam-se estátuas de herois, 
Ondeiam lanças e mastros. 

Zebram-se armadas de côr, 
Singram cortejos de luz, 
Ruem-se braços de cruz, 
E um espelho reproduz, 
Em treva, todo o esplendor... 

Cristais retinem de mêdo, 
Precipitam-se estilhaços, 
Chovem garras, manchas, laços... 
Planos, quebras e espaços 
Vertiginam em segrêdo. 

Luas de oiro se embebedam, 
Rainhas desfolham lirios; 
Contorcionam-se círios, 
Enclavinham-se delírios. 
Listas de som enveredam... 

Virgulam-se aspas em vozes, 
Letras de fogo e punhais; 
Há missas e bacanais, 
Execuções capitais, 
Regressos, apoteoses. 

Silvam madeixas ondeantes, 
Pungem lábios esmagados, 
Há corpos emmaranhados, 
Seios mordidos, golfados, 
Sexos mortos de anseantes... 

(Há incenso de esponsais, 
Há mãos brancas e sagradas, 
Há velhas cartas rasgadas, 
Há pobres coisas guardadas - 
Um lenço, fitas, dedais...) 

Há elmos, troféus, mortalhas, 
Emanações fugidias, 
Referências, nostalgias, 
Ruínas de melodias, 
Vertigens, erros e falhas. 

Há vislumbres de não-ser, 
Rangem, de vago, neblinas; 
Fulcram-se poços e minas, 
Meandros, paúes, ravinas 
Que não ouso percorrer... 

Há vácuos, há bolhas de ar, 
Perfumes de longes ilhas, 
Amarras, lemes e quilhas - 
Tantas, tantas maravilhas 
Que se não podem sonhar!... 
---
Mário de Sá-Carneiro (Link).

3 comentários:

Presépio no Canal disse...

Gostei muito do poema, que nao conhecia. Todo o post está muito bonito.
Continuação de bom fim-de-semana!
:-) Bjs!

Margarida Elias disse...

Obrigada Sandra! E uma boa semana para ti! Bjs!

ana disse...

Muito bonito o pema e um excelente casamento.
beijinhos, Margarida!:)